O empresário e apostador William Rogatto admitiu a manipulação de jogos de futebol no Brasil. O fato aconteceu em depoimento nessa terça-feira (08/10) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas.
No seu depoimento, revelou como foi o esquema milionário para causar o rebaixamento de um clube de Alagoas, chamado Coruripe, que caiu de divisão no Alagoano de 2021.
Ele destacou que tem o apelido de "Rei do Rebaixamento" e já ganhou cerca de R$ 300 milhões com a manipulação de resultados, atuando no rebaixamento de 42 clubes com suas movimentações.
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Como era o esquema de William Rogatto para rebaixar clubes?
Na capital do Maranhão, Alagoas, o Coruripe era considerado um time forte na região. Porém, no estadual de 2021 caiu para a segunda divisão. Segundo o empresário, tudo envolveu esquema de apostas.
No seu depoimento, ao explicar sua estratégia, disse que chegou a trazer 12 jogadores, prometendo que iria transformar a equipe. Além disso, confessou que rebaixou times em São Paulo e no Rio de Janeiro também.
De acordo com suas palavras, "seu alvo eram equipes menores". Para ele, o rebaixamento era o que mais dava dinheiro. Ao todo, foram R$ 300 milhões lucrados.
— Infelizmente, o que me dá dinheiro é rebaixar time. Se o presidente do time não está preocupado com o time dele, eu vou estar? Eu ganho dinheiro perdendo jogo, entregando jogo. É por isso que eles me chamavam de Rei do Rebaixamento desde 2009. Eu sempre rebaixei clube, e clube grande, viu? O Coruripe, de Alagoas, um time muito forte do Maranhão, eu rebaixei. O melhor campeonato da minha vida é o Carioca. Em São Paulo, eu rebaixei alguns, também em Goiás, mas o maior alvo hoje são os clubes pequenos — disse.
Presidente do clube na época, Francisco Luiz explicou ao "ge" como William trabalhava.
— Estou com a minha consciência tranquila. Esse rapaz (Rogatto) chegou aqui de paraquedas, trouxe 12 jogadores, trouxe técnico, primeiro o Dedeco Recife, que não chegou a estrear, e depois o Robson Santos, que ficou aqui por três jogos. A gente sem patrocinador, sem condições de manter o clube, aceitou. Os jogadores que ele trouxe eram péssimos, o time era ruim mesmo — disse Francisco.
O que o time de Alagoas disse sobre o caso?
Após o depoimento e o caso vir à tona, o Coruripe se manifestou em nota oficial sobre o assunto.
Veja a nota oficial do Coruripe:
Em resposta às especulações sobre uma possível manipulação de resultados que teria levado ao rebaixamento da Associação Atlética Coruripe, é fundamental esclarecer que tal rebaixamento ocorreu em 2021, sob a gestão anterior do clube (do presidente Francisco Luiz, o França). A atual diretoria, que assumiu posteriormente, não apenas se distanciou dessa controvérsia, mas também foi responsável por uma reviravolta positiva.
Sob a liderança do presidente Franciney Joaquim, o Hulk Praiano conseguiu o retorno à elite do futebol alagoano, conquistando o título da Segunda Divisão, em 2022. Essa conquista é um claro indicativo de uma mudança na direção do clube e nos resultados, evidenciando uma gestão eficaz e comprometida com o sucesso da equipe.
Quem é William Rogatto, o Rei do Rebaixamento?
Conhecido no mundo das apostas esportivas, William Pereira Rogatto tem 34 anos, mora em Portugal e é considerado o principal mentor do esquema que agiu para manipular placares de, ao menos, dois jogos da Sociedade Esportiva Santa Maria durante o Campeonato Brasiliense 2024, também conhecido como Candangão. Ele é um dos investigados pela Operação Fim de Jogo, organizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Com entrada na gestão do Santa Maria, William Rogatto teria enfraquecido o elenco e convencido jogadores a manipular resultados.
O nome de Rogatto já tinha aparecido em outra investigação. Em 2020, a Polícia Civil de São Paulo (PCSP) apurou informações de que o empresário e apostador fez propostas para atletas manipularem o resultado de partidas da Série A3 do Campeonato Paulista. Os contatos tinham sido feitos por mensagens.
William tem, contra ele, ordens de busca, apreensão e de prisão preventiva por parte da Justiça. No entanto, elas ainda não foram cumpridas, por conta de o apostador viver fora do Brasil.
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Como foi o depoimento de William Rogatto para CPI?
Rogatto está em Portugal e deu o depoimento por videoconferência. Nas falas, ele citou John Textor, dono da SAF do Botafogo, comentando que o americano "não está totalmente errado" em afirmar que a manipulação de resultados no futebol é realidade.
– Vocês falaram do John Textor. Não sei as provas que ele têm, mas uma coisa posso te falar: as pessoas que trabalharam para mim também trabalharam contra ele neste campeonato. Leila, não quero te enfrentar jamais. Não estou falando que você fez ou não. Mas eu te garanto que o John Textor não está totalmente errado. Mas enfim, só para entender a dimensão que está o futebol. Chamam ele de louco e ele não é tão louco assim – disse.
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Rogattto afirmou que o esquema de manipulação de jogos de futebol existe há mais de 40 anos.
– O sistema é muito além disso, os grandes não vão cair nunca. Estamos falando de dentro da CBF, de dentro das federações, tenho provas e vídeos. Isso não vai dar em nada, vai fazer vítimas do sistema e, no final, não vai acabar porque não é de agora. Isso existe há mais de 40 anos, eu fiz parte do sistema. Se eu tiver que pagar, vou voltar para o Brasil e pagar. Eu sou só apenas uma ferramenta, o mundo do futebol é muito mais do que a gente pensa. Não vai dar em nada, a gente vai passar por isso, nunca vai acabar, a maior máfia está dentro da federação – disse aos senadores.
O senador Romário (PL-RJ), relator da CPI, propôs a realização de uma delação premiada. O empresário, porém, disse que não se sente protegido, dadas as ameaças que vem recebendo de pessoas envolvidas no esquema de manipulação, como árbitros, presidentes de clubes e federações.
– O esquema não é pequeno, há pessoas que já ganharam muito dinheiro comigo. Tenho muitos anos nisso, trabalhei em todos os estados do Brasil e trabalhei fora, é muito além disso daí que vocês estão buscando. Se eu não fui o maior, fui um dos maiores; se não fui o maior do Brasil, fui o mais organizado do Brasil. Tem outros grupos, não vou ficar falando deles. São pessoas perigosas. Só resolvi falar hoje porque estou pensando que tem que acabar com isso aí. Eu vejo torcedor se matando, hoje a gente vê torcida do Corinthians, o torcedor sofre pelo time e mal sabe do que acontece nos bastidores. Eu pago muito bem por um gol. Não estou protegido para mexer com os caras que estão acima de mim. Se eu mexer, eu vou cair. Eu sou grande até um ponto, mas acima de mim tem [outros] – afirmou.
Rogatto disse que está no esquema de manipulação desde 2009, quando, aos 19 anos, teve a ideia de criar uma casa de aposta para lucrar com a manipulação de apostas esportivas, após viagem a Las Vegas, onde conheceu os cassinos locais.
– Tem jogadores que, no dia em que eu falar para você, você vai falar "eu não acredito nisso, não". E já esteve próximo de você, é algo que eu vou apresentar a vocês, para vocês fazerem o que tem que ser feito. Eu sempre paguei muito bem para esses caras – disse Rogatto a Romário, que o indagou sobre a participação de jogadores da Série A no esquema de manipulação.
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Como funciona o sistema de manipulação?
– Não roubei ninguém, não matei ninguém. Eu trabalhei em cima do sistema, o sistema é falho, a política não funciona, o sistema não funciona. Achei uma brecha no sistema, que me fortaleceu. Eu me considero um lambari pequeno demais, muita gente grande eu seguro nas costas, mas a gente cansa. Basicamente, eu engano o presidente do clube. Vou pagar ele para colocar os meus atletas. Aquele time vai perder, ele vai me beneficiar nas minhas apostas. Alguns presidentes sabiam e aceitavam. Eu rebaixei 42 clubes no Brasil. Eu só posso ganhar dinheiro com eles caindo. Peguei dinheiro demais com os caras. Quando eu comecei, eu comecei sozinho, mas a ganância me dominou. Para isso eu tinha que colocar mais algumas pessoas no sistema, as pessoas viam que era lucrativo e centenas e centenas de empresários investiram em meu negócio. Eu tinha meus jogadores, meus atletas e entrava nos clubes, enganava alguns presidentes e alguns compactuavam comigo. O modus operandi é complexo, mas o básico é isso.
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Quais foram as impressões sobre o Campeonato Brasileiro de 2023?
– Todos os jogos que eu vi que estavam acontecendo, que o Botafogo vinha desestruturado, e o Palmeiras, todos os jogos que eu fiz no Palmeiras eu ganhei. Resultados. Informação corre. Informações chegam, muitas das vezes porque jogador não consegue segurar a boca: "Hoje vai ter um resultado ali, tal time vai ganhar e vai tomar uns gols aí". Eu sou supostamente um apostador, não só de esquema de manipulação. Eu amo apostar, aliás. Alguns jogos que eu fiz ganhei, porque tinha a informação. Então eu colocava e dava bom. De onde vinha a informação? Não sei. Eu só sei que eu ganhava.
Qual é a porta de entrada no mundo da manipulação?
– Tem político, vereador, prefeito. O sistema é único e para entrar é preciso de pessoas. Todo mundo gosta de dinheiro. Eu sempre procurei entrar pelas secretarias de Esporte.
Árbitros participaram de manipulações?
– Tinha árbitros também, dos dois. Um árbitro hoje oficial ganha em torno de R$ 7 mil por jogo, eu pagava R$ 50 mil para ele, o árbitro ganha pouco, o gatilho do futebol está na máfia, que é a confederação, é a CBF, que tem recursos e não passa. É tão simples, é uma matemática tão perfeita, não vê quem não quer. Está tão feio que, como não acontece nada, o sistema não faz nada, você vem e oferece um dinheiro fácil. Isso é um gatilho da corrupção que temos no Brasil. Eu sou uma máquina que estou oferecendo para o atleta dinheiro fácil e dando dignidade para ele oferecer comida ao filho dele — afirmou.
Como conseguiu entrada na Sociedade Esportiva de Santa Maria?
Nota da redação: Dayana Nunes, presidente do clube, compareceu ao colegiado na condição de testemunha. Ela disse que no final de 2023, após seu marido sofrer um AVC hemorrágico, assumiu o comando do time. O clube não tinha dinheiro para suas atividades em 2024, mas contava com uma vaga no Campeonato Brasiliense. Nesse contexto, ela conheceu Rogatto, que lhe propôs a compra do Santa Maria, dado o interesse de adquirir um time no Distrito Federal.
– (Sou) Réu confesso, totalmente. Comecei a trazer jogadores de nome, mostrando para ela (Dayana Nunes, presidente do Santa Maria) que eu iria fazer um excelente campeonato. Daqui a pouco, eu falei que os jogadores meus de nome não tinham condições de ir, mas que ia dar tudo certo. E, infelizmente, eu vim a rebaixar o Santa Maria. Desculpa, mais uma vez, peço perdão para as pessoas... Quem me colocou para enganar a presidente da Santa Maria foi o próprio presidente da federação. Ele disse "vai ali que é frágil, não tem dinheiro, encosta. O marido enfartou ou sei lá, a mulher não entende de futebol e precisa de investidor". E eu vim a rebaixar o Santa Maria. Ela acabou sendo vulnerável a mim.
Em quantos países atua?
– Eu tenho nove países diferentes em apostas, eu pago caro para o atleta e também gosto de ganhar. Hoje eu uso nove países diferentes. Na semana passada eu fiz dois jogos na Colômbia, na primeira divisão. O sistema está fazendo que eu não pare. Querendo ou não, a gente tem uma vida cara, sabe como é, viver na Europa. Eu preciso fazer jogos, sou réu confesso, não consigo parar porque o sistema está me dando brechas.
Como estão suas finanças hoje? O que dá mais dinheiro nas manipulações?
– Inclusive, entrei num ramo de ouro na África e perdi quase metade. O bom enganador também é enganado. Infelizmente, o que me dá dinheiro é rebaixar time. Se o presidente do time não está preocupado com o time dele, eu vou estar? Eu ganho dinheiro perdendo jogo, entregando jogo. É por isso que eles me chamavam de Rei do Rebaixamento desde 2009. Eu sempre rebaixei clube, e clube grande, viu? O Coruripe, de Alagoas, é um time muito forte do Maranhão eu rebaixei. O melhor campeonato da minha vida é o carioca. Em São Paulo eu rebaixei alguns, também em Goiás, mas o maior alvo hoje são os clubes pequenos.
Por que os atletas topam manipular jogos? Existem outros esportes com manipulação?
– Eu estou dando condições aos atletas de ter um salário hoje de time pequeno. As federações e a CBF estão pegando dinheiro de todo mundo e não dá nada. Eu sou apenas um lambari no meio do sistema. Eu também já fiz vôlei de praia e futsal.