Em depoimento nesta terça-feira (08/10) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, o empresário e apostador William Rogatto admitiu a manipulação de jogos de futebol no Brasil, disse que já ganhou aproximadamente R$ 300 milhões com manipulações e que lucra com o rebaixamento de times. Ele destacou que tem o apelido de "Rei do Rebaixamento" e atuou no rebaixamento de 42 clubes com suas movimentações.
William Rogatto era apontado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) como chefe de esquema que usou a Sociedade Esportiva Santa Maria para manipular resultados no Campeonato Brasiliense deste ano. O time foi rebaixado em último lugar, entre dez equipes, com apenas três pontos ganhos. Ele pediu desculpas à presidente do Santa Maria e ainda comentou que já conseguiu contaminar partidas de competições nas 26 unidades da federação, no DF e em nove países, como a Colômbia.
+ Clique aqui, responda a esta pesquisa e concorra a uma camisa autografada da Bundesliga
Rogatto está em Portugal e deu o depoimento por videoconferência. Nas falas, ele ainda citou John Textor, dono da SAF do Botafogo, comentando que o americano "não está totalmente errado" em afirmar que a manipulação de resultados no futebol é realidade.
– Vocês falaram do John Textor. Não sei as provas que ele têm, mas uma coisa posso te falar: as pessoas que trabalharam para mim também trabalharam contra ele neste campeonato. Leila, não quero te enfrentar jamais. Não estou falando que você fez ou não. Mas eu te garanto que o John Textor não está totalmente errado. Mas enfim, só para entender a dimensão que está o futebol. Chamam ele de louco e ele não é tão louco assim – disse.
MAIS: a escalação da Seleção Brasileira para Chile x Brasil
Rogattto afirmou que o esquema de manipulação de jogos de futebol existe há mais de 40 anos.
– O sistema é muito além disso, os grandes não vão cair nunca. Estamos falando de dentro da CBF, de dentro das federações, tenho provas e vídeos. Isso não vai dar em nada, vai fazer vítimas do sistema e, no final, não vai acabar porque não é de agora. Isso existe há mais de 40 anos, eu fiz parte do sistema. Se eu tiver que pagar, vou voltar para o Brasil e pagar. Eu sou só apenas uma ferramenta, o mundo do futebol é muito mais do que a gente pensa. Não vai dar em nada, a gente vai passar por isso, nunca vai acabar, a maior máfia está dentro da federação – disse aos senadores.
O senador Romário (PL-RJ), relator da CPI, propôs a realização de uma delação premiada. O empresário, porém, disse que não se sente protegido, dadas as ameaças que vem recebendo de pessoas envolvidas no esquema de manipulação, como árbitros, presidentes de clubes e federações.
– O esquema não é pequeno, há pessoas que já ganharam muito dinheiro comigo. Tenho muitos anos nisso, trabalhei em todos os estados do Brasil e trabalhei fora, é muito além disso daí que vocês estão buscando. Se eu não fui o maior, fui um dos maiores; se não fui o maior do Brasil, fui o mais organizado do Brasil. Tem outros grupos, não vou ficar falando deles. São pessoas perigosas. Só resolvi falar hoje porque estou pensando que tem que acabar com isso aí. Eu vejo torcedor se matando, hoje a gente vê torcida do Corinthians, o torcedor sofre pelo time e mal sabe do que acontece nos bastidores. Eu pago muito bem por um gol. Não estou protegido para mexer com os caras que estão acima de mim. Se eu mexer, eu vou cair. Eu sou grande até um ponto, mas acima de mim tem [outros] – afirmou.
Hoje com 34 anos, Rogatto disse que está no esquema de manipulação desde 2009, quando, aos 19, teve a ideia de criar uma casa de aposta para lucrar com a manipulação de apostas esportivas, após viagem a Las Vegas, onde conheceu os cassinos locais.
– Tem jogadores que, no dia em que eu falar para você, você vai falar "eu não acredito nisso, não". E já esteve próximo de você, é algo que eu vou apresentar a vocês, para vocês fazerem o que tem que ser feito. Eu sempre paguei muito bem para esses caras – disse Rogatto a Romário, que o indagou sobre a participação de jogadores da Série A no esquema de manipulação.
MAIS: como está a classificação das Eliminatórias sul-americanas para a Copa do Mundo de 2026
Veja mais declarações de William Rogatto
Como funciona o sistema de manipulação?
– Não roubei ninguém, não matei ninguém. Eu trabalhei em cima do sistema, o sistema é falho, a política não funciona, o sistema não funciona. Achei uma brecha no sistema, que me fortaleceu. Eu me considero um lambari pequeno demais, muita gente grande eu seguro nas costas, mas a gente cansa. Basicamente, eu engano o presidente do clube. Vou pagar ele para colocar os meus atletas. Aquele time vai perder, ele vai me beneficiar nas minhas apostas. Alguns presidentes sabiam e aceitavam. Eu rebaixei 42 clubes no Brasil. Eu só posso ganhar dinheiro com eles caindo. Peguei dinheiro demais com os caras. Quando eu comecei, eu comecei sozinho, mas a ganância me dominou. Para isso eu tinha que colocar mais algumas pessoas no sistema, as pessoas viam que era lucrativo e centenas e centenas de empresários investiram em meu negócio. Eu tinha meus jogadores, meus atletas e entrava nos clubes, enganava alguns presidentes e alguns compactuavam comigo. O modus operandi é complexo, mas o básico é isso.
Quais foram as impressões sobre o Campeonato Brasileiro de 2023?
– Todos os jogos que eu vi que estavam acontecendo, que o Botafogo vinha desestruturado, e o Palmeiras, todos os jogos que eu fiz no Palmeiras eu ganhei. Resultados. Informação corre. Informações chegam, muitas das vezes porque jogador não consegue segurar a boca: "Hoje vai ter um resultado ali, tal time vai ganhar e vai tomar uns gols aí". Eu sou supostamente um apostador, não só de esquema de manipulação. Eu amo apostar, aliás. Alguns jogos que eu fiz ganhei, porque tinha a informação. Então eu colocava e dava bom. De onde vinha a informação? Não sei. Eu só sei que eu ganhava.
Qual é a porta de entrada no mundo da manipulação?
– Tem político, vereador, prefeito. O sistema é único e para entrar é preciso de pessoas. Todo mundo gosta de dinheiro. Eu sempre procurei entrar pelas secretarias de Esporte.
Árbitros participaram de manipulações?
– Tinha árbitros também, dos dois. Um árbitro hoje oficial ganha em torno de R$ 7 mil por jogo, eu pagava R$ 50 mil para ele, o árbitro ganha pouco, o gatilho do futebol está na máfia, que é a confederação, é a CBF, que tem recursos e não passa. É tão simples, é uma matemática tão perfeita, não vê quem não quer. Está tão feio que, como não acontece nada, o sistema não faz nada, você vem e oferece um dinheiro fácil. Isso é um gatilho da corrupção que temos no Brasil. Eu sou uma máquina que estou oferecendo para o atleta dinheiro fácil e dando dignidade para ele oferecer comida ao filho dele — afirmou.
Como conseguiu entrada na Sociedade Esportiva de Santa Maria?
Nota da redação: Dayana Nunes, presidente do clube, compareceu ao colegiado na condição de testemunha. Ela disse que no final de 2023, após seu marido sofrer um AVC hemorrágico, assumiu o comando do time. O clube não tinha dinheiro para suas atividades em 2024, mas contava com uma vaga no Campeonato Brasiliense. Nesse contexto, ela conheceu Rogatto, que lhe propôs a compra do Santa Maria, dado o interesse de adquirir um time no Distrito Federal.
– (Sou) Réu confesso, totalmente. Comecei a trazer jogadores de nome, mostrando para ela (Dayana Nunes, presidente do Santa Maria) que eu iria fazer um excelente campeonato. Daqui a pouco, eu falei que os jogadores meus de nome não tinham condições de ir, mas que ia dar tudo certo. E, infelizmente, eu vim a rebaixar o Santa Maria. Desculpa, mais uma vez, peço perdão para as pessoas... Quem me colocou para enganar a presidente da Santa Maria foi o próprio presidente da federação. Ele disse "vai ali que é frágil, não tem dinheiro, encosta. O marido enfartou ou sei lá, a mulher não entende de futebol e precisa de investidor". E eu vim a rebaixar o Santa Maria. Ela acabou sendo vulnerável a mim.
Em quantos países atua?
– Eu tenho nove países diferentes em apostas, eu pago caro para o atleta e também gosto de ganhar. Hoje eu uso nove países diferentes. Na semana passada eu fiz dois jogos na Colômbia, na primeira divisão. O sistema está fazendo que eu não pare. Querendo ou não, a gente tem uma vida cara, sabe como é, viver na Europa. Eu preciso fazer jogos, sou réu confesso, não consigo parar porque o sistema está me dando brechas.
Como estão suas finanças hoje? O que dá mais dinheiro nas manipulações?
– Inclusive, entrei num ramo de ouro na África e perdi quase metade. O bom enganador também é enganado. Infelizmente, o que me dá dinheiro é rebaixar time. Se o presidente do time não está preocupado com o time dele, eu vou estar? Eu ganho dinheiro perdendo jogo, entregando jogo. É por isso que eles me chamavam de Rei do Rebaixamento desde 2009. Eu sempre rebaixei clube, e clube grande, viu? O Coruripe, de Alagoas, é um time muito forte do Maranhão eu rebaixei. O melhor campeonato da minha vida é o carioca. Em São Paulo eu rebaixei alguns, também em Goiás, mas o maior alvo hoje são os clubes pequenos.
Por que os atletas topam manipular jogos? Existem outros esportes com manipulação?
– Eu estou dando condições aos atletas de ter um salário hoje de time pequeno. As federações e a CBF estão pegando dinheiro de todo mundo e não dá nada. Eu sou apenas um lambari no meio do sistema. Eu também já fiz vôlei de praia e futsal.
Quem é William Rogatto, o Rei do Rebaixamento?
Conhecido no mundo das apostas esportivas, William Pereira Rogatto tem 34 anos, mora em Portugal e é considerado o principal mentor do esquema que agiu para manipular placares de, ao menos, dois jogos do Santa Maria durante o Campeonato Brasiliense 2024, também conhecido como Candangão. Ele é um dos investigados pela Operação Fim de Jogo, organizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Com entrada na gestão do Santa Maria, William Rogatto teria enfraquecido o elenco e convencido jogadores a manipular resultados.
MAIS: a artilharia das Eliminatórias sul-americanas para a Copa
O nome de Rogatto já tinha aparecido em outra investigação. Em 2020, a Polícia Civil de São Paulo (PCSP) apurou informações de que o empresário e apostador fez propostas para atletas manipularem o resultado de partidas da Série A3 do Campeonato Paulista. Os contatos tinham sido feitos por mensagens.
William tem, contra ele, ordens de busca, apreensão e de prisão preventiva por parte da Justiça. No entanto, elas ainda não foram cumpridas, por conta de o apostador viver fora do Brasil.